sexta-feira, 13 de maio de 2011

Oh! meu Mirim, és assim, pedacinho de lugar...

O blog recebeu uma carta do Sr. Avelino Antônio Fernandes, mirinense de nascimento e atualmente morando na cidade de Cachoeirinha, no Estado do Rio Grande do Sul, onde relata alguns fatos ocorridos no Mirim, no final da década de 1930 e meados da década de 1950.  Abaixo está a carta de um cidadão nascido no Mirim,  que conviveu  com os fatos da vida cotidiana, muitas vezes insignificantes à primeira vista, mas que para nós hoje é de suma importância, porque é conhecendo o passado que entendemos o presente.


A História do Mirim por Avelino Antônio Fernandes

Creio que a origem do nome Mirim, se deve a uma espécie de abelha menor que a abelha comum que existia na comunidade. Elas faziam os seus ninhos nos ocos das árvores e construíam suas colméias. A palavra Mirim significa menor que o tamanho normal, porém não quer dizer que o Mirim seja pequeno por esse fato. O Mirim não cresce por falta de espaço territorial, de um lado temos a lagoa, do outro lado o morro e ainda temos a região de banhado, que é uma área pantanosa. Eu lembro que os moradores mais antigos diziam, o Mirim é igual à cola de cavalo, só cresce para baixo, o que eu não concordo.

A Igreja de Mirim era a Matriz e eram subordinadas a ela as Igrejas de Imbituba, Vila Nova, Roça Grande, Fazenda São Paulo, Riacho, Forquilha, Araçatuba, e se não me falha a memória até a Igreja de Garopaba. O Sacerdote Pároco morava no Mirim, em uma casa que pertencia à igreja, e que na época chamavam de a "Casa do Padre", que se localizava onde hoje é o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Moraram nessa casa, quatro Sacerdotes Párocos: Padre Rossi, Padre Carlos, Padre Ludgero e Padre Paulo.

As pessoas de mais idade, contavam que a Igreja foi demolida e reconstruída do arco central para frente, e que as pessoas ajudavam com o que podiam, inclusive o meu pai ajudou com o carro de bois. As paredes da igreja e da Capela-mor foram construídas de pedras, e não existia cimento na época. A reforma da Igreja foi realizada pelo Padre Rossi, de nacionalidade italiana, sendo que as pessoas não entendiam o que ele falava. Quando o Padre Rossi adoeceu foi internado no Hospital de Laguna, e em seu lugar veio o Padre Carlos, permanecendo pouco tempo, dando lugar para o Padre Ludgero. Padre Rossi quando melhorava de saúde, vinha até o Mirim e celebrava a missa. Certa vez o Pároco Padre Ludgero tinha mandado serrar um pedaço do forro da Igreja, em cima do coro, no rumo da porta da frente, para que o eletricista conseguisse entrar e fazer as instalações elétricas, que a Igreja não possuía, e quando Padre Rossi viu o forro da Igreja com um buraco e o fio pendurado no teto com um abajur tipo prato, com lâmpada comum, ficou furioso e disse: "temos aqui a Igreja do cipó", ele chamou de cipó os fios pendurados. Na mesma ocasião o Padre Ludgero tinha colocado em pontos estratégicos da Igreja, faixas de papel com o nome SILÊNCIO, porque o povo conversava muito na Igreja, e Padre Rossi vendo as faixas, disse que a Igreja tinha virado cinema. Isso foi dito durante a missa, e eu estava presente. 

Ainda não existia luz elétrica no Mirim e a iluminação da Igreja era à luz de velas e de lamparinas, e posteriormente, foram instaladas baterias para acender as lâmpadas. O Senhor Laudelino Oliveira, mais conhecido como Capanema, era o único morador do Mirim a possuir energia elétrica, que era produzida por um motor a diesel, ao qual tinha sido acoplado um mini gerador, chamado de dínamo, e que gerava a energia para o seu engenho de descascar arroz, que ficava onde hoje estão as casas da Mirian e do Jerônimo, e para a sua residência, sendo que mais adiante passou a fornecer energia também para a Igreja e para a praça. Em uma das Festas do Divino Espírito Santo, no tempo do Padre Paulo, veio de Imbituba, o eletricista Sr. Dorli, e instalou fios elétricos, (cabos especiais) pelo chão, desde o engenho de arroz, até a Igreja. Os fios passavam pela Rua De Trás, hoje, Espírito Santo,  e Rua Maria Ana de Jesus, para o fornecimento de energia elétrica aos dois dias de festas, o sábado e o Domingo. Posteriormente, foram colocados alguns postes, melhorando a iluminação da praça. Porém a luz não permanecia ligada a noite inteira, e a certa hora da noite o motor era desligado e as luzes iam se apagando lentamente.

O fato a seguir não presenciei, pois era muito pequeno e não saia da saia da mamãe. Houve muitos comentários sobre o acontecido. O vigário da Paróquia era o Padre Rossi, e havia a tradicional Festa do Divino Espírito Santo, e como de costume, não podiam faltar os fogos de artifícios, as bombas e as bengalas, que eram comprados na cidade de Laguna.  Durante a procissão as pessoas levavam as bengalas acessas, segurando na parte inferior, e a trasladação era iluninada pelas chamas que saiam das bengalas. Na trasladação dessa festa, quando os serviçais da Igreja entregaram as bengalas, que na verdade eram bombas, houve um acidente. As bombas explodiram na mão das pessoas que as seguravam. O Senhor Arão Pacheco perdeu uma mão, o Senhor Patrício Siqueira perdeu parte dos dedos de uma mão e o mesmo aconteceu com o Senhor João Sabino. Os que presenciaram esse acontecimento, diziam que foi uma coisa muito pavorosa. Eram gritos, choros e muito sangue. Tudo na escuridão. Não sei ao certo se a Trasladação continuou, mas no domingo só houve uma missa. Isso aconteceu na década de 1940.

No Mirim existia uma Agência dos Correios e Telégrafos e para trabalhar na repartição pública federal, o funcionário tinha que entender do código Morse, porque as mensagens eram enviadas através do Aparelho Morse, e o telegrafista tinha que ler os sinais e escrever o telegrama para o português. Na Segunda Guerra Mundial veio trabalhar como agente no Correio do Mirim, o Senhor Duílio Pisani e trouxe os filhos Argemiro, Irma e Eloá, todos muito adiantados nos estudos e frequentavam a Escola Reunida Sant’Ana, sendo nossa professora, a Dona Argentina, tia da professora Josina. Um dia houve uma festividade na escola, não lembro qual o motivo, e fomos todos até a Agência dos Correios e ficamos em forma cantando o Hino Nacional Brasileiro, em frente da Bandeira do Brasil, que estava hasteada na frente do correio. Na venda do Senhor José Prates, que ficava ao lado do Correio, estavam três senhores olhando para nós, no momento que cantávamos o Hino Nacional, e por falta de conhecimento, os senhores não tiraram o chapéu da cabeça, então o Duílio entrou na venda e foi jogando o chapéu dos três senhores no chão. Uma espécie de tapa no chapéu de cada um e deu voz de prisão. Tinha um senhor que chorava muito dizendo que não sabia que era para tirar o chapéu. O delegado era marido da professora Argentina, e era conhecido como Joca da Argentina,  então o senhor Duílio disse para a professora avisar o marido para prender aqueles senhores que tinham desrespeitado a Bandeira Nacional.

Durante a Segunda Guerra veio uma ordem, obrigando as pessoas a usarem um distintivo no peito, para mostrarem que eram brasileiros. Era uma fita verde e amarela presa com alfinete e eram compradas nas casas comerciais, todas do mesmo tamanho.

Para viajar de trem as pessoas precisavam ter uma ordem, sendo o trem o único meio de transporte para as cidades de Laguna e Tubarão. As pessoas tinham que tirar um Atestado de Boa Conduta, que chamavam de Salvo Conduta, caso não tivessem o referido atestado, não podiam entrar no trem. As pessoas que moravam no Mirim e redondeza, que queriam viajar de trem até Laguna, tinham que sair de casa de madrugada, caminhando até a Vila Nova, para pegar o trem que saia de Imbituba às 5 horas da manhã. Era um trem com vagões de carga e somente um vagão de passageiros.

Anos mais tarde o Mirim ganhou duas linhas de ônibus, que faziam o trajeto Florianópolis/Laguna, pelas empresas Glória e Catarinense. Os ônibus não pegavam passageiros no meio da viagem, as passagens tinham que ser adquiridas na agência. No Mirim a parada era em frente à Agência dos Correios, para fazer entrega dos malotes e embarque e desembarque dos passageiros.

O Mirim foi um lugar onde a política era muito forte e concorrida. Existiam na ocasião algumas inimizades, (rixas) por motivos políticos, entre os partido da UDN (União Democrática Nacional) e do PSD (Partido Social Democrático). Os homens mais influentes eram os senhores Laudelino João de Oliveira (Capanema) do PSD, Adílio Candemil e Jair Cardoso da UDN. Naquele tempo vinham os eleitores do Sambaqui, Arroio, Retiro, pois todos votavam no Mirim, e cada partido dava comida à vontade para os seus supostos eleitores, era um dia de tirar a barriga da miséria. Diziam que tinha gente que comia nos dois partidos. A condução para transportar os eleitores era caminhão de carroceria aberta.

O prédio onde hoje funciona o Posto do Correio foi construído através de indicação do Senhor Laudelino João de Oliveira, cujo Prefeito de Laguna era o senhor Alberto Gripa, e foi o primeiro Prédio Oficial da Escola, que se chamava “Escola Isolada Sant’Ana”, inaugurado pelo Prefeito de Laguna e sua comitiva.

No mesmo dia da inauguração houve uma missa campal em frente à Igreja, em despedida dos quatro Capuchinhos que estiveram em Missões, na então Paróquia de Mirim. Foi emocionante, muita gente chorando. As palavras ditas pelos Capuchinhos deixaram as pessoas muito emotivas, pois diziam que era um adeus, porque no Mirim não voltariam mais. Os Capuchinhos usavam barbas compridas, e eram de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. O Padre Paulo Hobold era o Pároco naquela época. Isso foi no final dos anos 40 ou início dos anos 50.

Terminada a missa o povo foi convidado para um churrasco em frente à casa do senhor Capanema, Laudelino João de Oliveira, no pasto onde tinha um potreiro, hoje é a morada do senhor Geraldo Inácio. Confesso que foi a primeira vez que eu vi churrasco, só deu mesmo para ver, eu e muita gente que ali estavam nos contentamos somente com o cheirinho da carne e da fumaça, isso quando o vento dava uma mãozinha e empurrava a fumaça para o lado em que agente se encontrava. Nem todos participaram do almoço, não que fosse muita gente, mas sim pouca carne.

O Posto de Saúde “Cônego César Rossi” foi construído por influência dos Senhores Jair Cardoso e Adílio Candemil, do partido político UDN, no governo do Senhor Irineu Bornhausen. Foi nessa construção que trabalhei pela última vez em Santa Catarina, como servente de pedreiro.

Certa ocasião, o então jovem Gentil Teixeira de Melo, mais conhecido como Lili do Alfredo, construiu um balão feito com folhas de papel para fazer pacotes. O balão tinha aproximadamente 2 metros de altura, no centro deveria ter uns 80 centímetros de diâmetro, para baixo vinha estreitando até a boca com mais ou menos 30 centímetros de diâmetro. O acabamento da base era de arame e na qual tinha uma cruzeta de arame no espaço da boca para ser pendurada uma mexa embebida em querosene para servir de combustível. Lembro que o senhor Jair Cardoso ajudou a segurar o balão usando uma escada de abrir e foi feito um fogo no chão no meio da praça para a fumaça inflar o balão para ele subir. Quando o balão começou a subir, foi colocado a mexa acesa e o balão foi subindo em direção a lagoa, e chegando a uns 100 metros de altura, o balão incendiou e lá se foi o balão do Lili do Alfredo.

Outro fato curioso que aconteceu se refere ao ferreiro Alvim. No local que está o Salão Paroquial, existia uma ferraria, a ferraria do senhor Alvim, e sempre que o Padre Rossi celebrava a Missa, o senhor Alvim estava de marreta na bigorna batendo ferro. Como o Padre Rossi e o senhor Alvim não se entendiam muito bem, o padre achava que o ferreiro fazia aquilo de propósito e o Padre Rossi ficava furioso, e na hora do sermão (homilia) descarregava a sua mágoa, falando do senhor Alvim.

Espero ter contribuído com fatos que fizeram parte da história do Mirim, e sempre estou a disposição para mais informações.


Avelino Antônio Fernandes
Rua Adil Soares - Nº 63
Cachoeirinha, RS



Fotos atual do Mirim


Posto de Saúde Cônego César Rossi

Vista da Lagoa do Mirim

Prédio do Posto do Correio e da Intendência,
local da antiga Escola Reunida Sant'Ana

Padre César Rossi

Rua de entrada - Mirim

Local da Casa do Padre
Atualmete Sindicato dos Trabalhadores Rurais


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